UM INCERTO PORVIR
Ao emergir de uma pandemia para um cenário de guerra e autoritarismos, e ver-se diante de uma perspectiva não menos distópica de futuro próximo, do que falam, e como falam, os artistas lusófonos que trabalham na confluência das linguagens visuais, performáticas e do cinema?
Na exposição Um incerto porvir, o FUSO – Festival Internacional de Videoarte de Lisboa e a plataforma Videobrasil Online reúnem trabalhos recentes de artistas portugueses – e estrangeiros radicados em Portugal – que refletem suas preocupações sobre o futuro incerto do mundo.
Premiados em diversas edições do FUSO, esses artistas compõem um potente panorama da cena artística lusófona, explorando questões transversais à arte contemporânea, como as relações entre humano e ambiente, memória e lugar de pertencimento, ficção e realidade. Transitando por caminhos diversos, desenvolvem investigações transdisciplinares que contribuem para alargar as discussões sobre os cruzamentos entre as práticas artísticas contemporâneas e outras áreas, e oferecem perspectivas diversas sobre o nó do nosso presente.
Uma das artistas mais proeminentes de Portugal, Salomé Lamas explora os limites do cinema documental, trabalhando na intersecção da etnografia, história, narrativa, memória e ficção. Com uma prática socialmente engajada, investigativa e experimental, José Carlos Teixeira usa vídeo, instalação, texto e fotografia para gerar encontros e repensar a política da representação.
Ator, diretor, performer, escritor, Welket Bungué cria obras de grande impacto, entre o registro, o manifesto, a ficção, o ensaio e a poesia visual. Usando sua trajetória geográfica e pessoal, amplifica o corpo performático e revisita uma noção de identidade (neo)colonial. Crítico e irônico, Yuri Firmeza cria imagens insólitas para questionar as relações de poder na arte e no mundo.
João Cristóvão Leitão investiga a noção de tempo, sobretudo a partir do universo de Jorge Luís Borges. Utilizando vídeo, objetos e instalação, a dupla LealVeileby celebra o humor e o absurdo em uma prática artística que explora os territórios da ciência, da língua e do oculto.
Combinando linguagens para ecoar as incertezas do presente e desenhar uma espécie de futurismo ecológico, esses artistas atestam a força da produção lusófona e de sua matriz transdisciplinar. Também comprovam a importância de dispositivos que, como o Videobrasil e o FUSO, foram criados para identificar e acolher a produção que desponta em ambientes sem circuito de interlocução e fomento. O exercício continuado de dar visibilidade ao que é potente vale a pena.
Rachel Korman
Coordenação curatorial
Jean-François Chougnet
Direção artística
António Câmara
Direção
FUSO – Anual de Videoarte Internacional de Lisboa
Solange Farkas
Curadora e diretora
Associação Cultural Videobrasil
SALOMÉ LAMAS
A Torre, 2015
Vídeo, 8’45”
Com a colaboração de Christoph Both-Asmus
Aventurando-se na fronteira entre a Terra e o céu, um homem sobe ao topo de uma árvore e tenta metamorfosear-se nela, não se sabe se por ingenuidade, iluminação mística ou desejo de morte. A natureza resiste – ao episódio e à espécie humana.
Salomé Lamas é uma realizadora portuguesa de cinema que trabalha no limite das artes visuais. Estudou cinema em Lisboa e Praga, e artes visuais em Amsterdã e Coimbra. Seus filmes, como Terra de ninguém (2012) e Coup de Grâce (2017), são marcados pelo desejo de desafiar as narrativas hegemônicas, e foram vistos em festivais e museus na Europa e na América.
JOSÉ CARLOS TEIXEIRA
42.2ºN, 81.2ºW, 2019
Vídeo, 13’53”
Em colaboração com Sarah FitzSimons
O artista conversa com Sarah FitzSimons sobre a particularidade de crescer e viver perto de grandes massas de água. As palavras se fundem à imagem do Lake Erie, na região dos Grandes Lagos, entre Estados Unidos e Canadá, localizado nas coordenadas do título. Uma meditação sobre lugar, memória, identidade, pertença e nossa relação com o mundo natural. Carregada de significado emocional, intelectual e psicológico, a água é, aqui, tanto realidade física essencial quanto metáfora do inconsciente.
José Carlos Teixeira é um artista visual, cineasta e pesquisador português. Sua prática situa-se entre o cinema e a antropologia. Usa dispositivos performáticos ou colaborativos para explorar questões de identidade, limites, exílio e deslocamento em vídeo-ensaios, documentários e instalações. Expôs no Centro de Arte Hélio Oiticica (RJ) e na Fundação Gulbenkian (Lisboa).
WELKET BUNGUÉ
INDIGINATU, 2021
Vídeo, 8’29”
Nessa meditação imersiva, imagina-se um mundo futuro que, liberto da humanidade e de seu legado – guerra, escravidão, língua, imperialismo, fome –, se reequilibra e segue em frente. O artista pergunta: quando o homem deixou de ser natureza?
Welket Bungué é ator, diretor e artista transdisciplinar de etnia balanta, nascido na Guiné-Bissau. Trabalha com texto, cinema, performance e teatro. Realizou os curtas Mudança (2021), Eu não sou Pilatus (2019) e Arriaga (2019), exibidos em festivais como Berlinale, Africlap (França) e DocLisboa. Trabalha no ensaio auto-biográfico Corpo periférico.
YURI FIRMEZA
Nada É, 2014
Vídeo, 33’06”
A vila de Alcântara foi a primeira capital do Maranhão, abrigou barões da cana-de-açúcar e do algodão no século 18, e caiu no ostracismo absoluto até tornar-se centro de lançamento de foguetes da Força Aérea Brasileira em 1990. O filme explora restos e representações de projetos nacionais de diferentes épocas, combinando fantasias de um passado de opulência e de um futuro interespacial a um presente de ruínas.
Yuri Firmeza é um artista brasileiro. Explorando o limite entre ficção, real e possível, seus vídeos e performances questionam as relações de poder no circuito da arte e na sociedade. Formado em artes visuais e mestre em poéticas visuais, é doutorando em arte multimídia na Universidade de Lisboa. Participou da 31ª Bienal de São Paulo e da 11ª Bienal do Mercosul.
JOÃO CRISTÓVÃO LEITÃO
aleph, 2019
Vídeo, 13’35”
A obra parte da hipótese inverossímil de que seria possível conhecer a incomensurabilidade e a infinitude da realidade. Alguns paradoxos espaço-temporais do universo literário e filosófico de Jorge Luís Borges são transpostos e reinventados em uma narrativa sonora na qual relatos oníricos se (con)fundem: sonhos dos quais não se consegue acordar, paredes que são portais, montanhas que são céus, instantes que contêm todos os instantes, espelhos pelos quais é possível entrar e sair.
João Cristóvão Leitão é um artista português. Formado em teatro e mestre em arte e curadoria, suas instalações e projetos de videoarte investigam questões relacionadas ao cinema expandido e temas do universo literário e filosófico do escritor argentino Jorge Luis Borges. Expôs em diversos países e foi premiado em festivais europeus como Videoformes e FUSO.
LEALVEILEBY
Panacea’s Tongue, 2021
Vídeo, 20’23”
A voz de uma inteligência artificial que reencarna Panaceia, a deusa da cura universal da mitologia grega, nos fala dos avanços e das limitações da civilização humana, e de um potencial futuro no qual um material feito exclusivamente de luz abre possibilidades inimagináveis, com implicações imprevistas. Uma montagem visual na qual ciência e ficção estão em conflito, mas inseparavelmente emaranhadas à narrativa humana.
LealVeileby é uma dupla luso-sueca formada pelos artistas António Leal e Jesper Veileby. Com uma prática que entrelaça narrativa, vida cotidiana e especulação científica, usam vídeo, instalação, objetos, texto, projetos online e arte sonora para investigar a percepção da realidade pela ótica da ciência, da magia e da linguagem. Participam de mostras e festivais na Europa.
FUSO – FESTIVAL INTERNACIONAL DE VIDEOARTE DE LISBOA
Criado em 2009, o FUSO é o único festival com programação contínua de videoarte nacional e internacional em Lisboa. Confrontando linguagens canônicas às mais contemporâneas, mostra obras em vídeo que atravessam as artes plásticas, a performance, o cinema, a literatura e os meios digitais, propondo uma nova abertura à imagem em movimento do século 21.
A excelência da programação é um compromisso do FUSO. As obras são selecionadas por curadores nacionais e internacionais, que desenham programas exclusivos para o festival. Seu conhecimento e sua experiência garantem a consistência e a qualidade do conteúdo, com obras de artistas reconhecidos internacionalmente e outros ainda desconhecidos do público local.
O FUSO também homenageia anualmente artistas históricos de importância fundamental na videoarte. Durante o festival, curadores e artistas convivem e estabelecem inúmeras parcerias, gerando uma rede de conexões e colaborações.
Uma das principais vertentes do FUSO é promover a nova criação nacional. A competição anual Open Call, aberta a artistas portugueses e estrangeiros que vivem em Portugal, busca identificar, difundir e incentivar a nova produção lusófona, concedendo o Prêmio Aquisição Fundação EDP/MAAT e o Prêmio Incentivo AR.CO, uma bolsa de estudos no departamento de Cinema/Imagem e Movimento da escola.
O FUSO circula por diversas cidades de Portugal e de outros países, com apresentações adaptadas para salas de cinema ou de projeção. Assim, cumpre sua missão de fomentar o desenvolvimento da arte nacional, contribui para a diversidade cultural e divulga artistas portugueses dentro e fora do país.
No Arquipélago dos Açores acontece o FUSO INSULAR, com sessões curatoriais e um laboratório criativo de imagem em movimento para artistas locais. A Mostra de Videoarte dos Açores é uma plataforma para a apresentação dos vídeos criados no programa de residência, e de obras históricas e contemporâneas de artistas nacionais e internacionais.
Ao estimular o pensamento crítico em torno dos novos meios e promover a difusão da arte vídeo no panorama português, o FUSO contribui de forma significativa para a dinâmica da arte contemporânea nacional.